terça-feira, 27 de julho de 2010

De Volta Para Casa

The Suburbs, novo álbum dos canadenses do Arcade Fire é o disco do ano. Ninguém vai vir com algo tão bom assim em 2010. Situado entre "dois pólos extremos de rock e eletrônica" pelo multi-instrumentista Will Butler e ainda definido por seu irmão (também principal vocalista e compositor da banda) Win Butler como "um mix de Neil Young e Depeche Mode", o disco é o terceiro capítulo na impressionante discografia do grupo e sai oficialmente dia 02 de Agosto. The Suburbs tem seções de cordas magistrais - característica mantida com extremo bom gosto desde sua estréia em 2004 com Funeral. Os arranjos aproveitam sem exageros a diversidade de instrumentos e timbres usados; aqui tudo é funcional e ambicioso. Use a faixa-título como amostra. Piano, violão e bateria numa base viciante, cellos e violinos em contraponto ao refrão com os vocais em falsete de Win, a melodia triste mas contida. Tudo isso pode ser ouvido com igual impacto na faixa "Deep Blue". Agora pense que num mundo onde existe um subgênero musical chamado emotional hardcore, o Arcade Fire mostra em canções como essas como não soar emocionalmente estúpido e vazio como os representantes do rótulo emo. "Ready To Start" e "Modern Man" trazem camadas sobrepostas de guitarra, discretos efeitos eletrônicos e principalmente a lembrança de que uma banda que é chamada de alternativa pode compor canções de apelo pop sem precisar abrir mão da palavra "criatividade". Num mundo onde existe um subgênero musical chamado post-rock, o Arcade Fire mostra como não soar  insuportavelmente inaudível como a maioria dos representantes desse rótulo inexplicável. O pedaço Neil Young do disco salta fácil aos ouvidos com a pegada alt-country de "Wasted Hours", assim como a fatia Depeche Mode é apreciada numa levada disco-espacial em "Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)", com vocais da esposa de Win Butler, Régine Chassagne. Perca-se em faixas sublimes de arranjos bem pensados como "We Used To Wait" e aprecie com toda atenção o pianinho killer golpeado à Jerry Lee Lewis, as cordas e o contratempo da bateria. Desfrute igualmente de músicas mais enérgicas com guitarras de timbre limpo e côros emocionantes ("Suburban War"), surpreenda-se com mini-sinfonias de bolso ("Rococo"). O Arcade Fire entrega mais um álbum inacreditável, de fantasia pungente e poética, extremamente acessível e de uma originalidade assombrosa para os dias de hoje.

Nota: 9
Para quem gosta de: Radiohead, Manic Street Preachers, Coldplay
Links: Site Oficial, FacebookTwitter

"The Suburbs", faixa-título do álbum que possui oito variações para a capa abaixo:


quinta-feira, 22 de julho de 2010

C+B=M²

Não se sinta culpado por não ter achado Further nada de mais. O novo álbum do Chemical Brothers, lançado mês passado, é mais do mesmo. Soa irremediavelmente como auto-paródia, uma repetição das fórmulas vencedoras de seus seis discos anteriores. Pode ouvir, está tudo lá: o tecnão 4x4 recheado de vocoders, samples bizarros  (embora me pareça meio óbvio que uma faixa chamada "Horse Power" contenha relinchos de cavalo) e as rajadas de teclados nervosos que deram as cartas em Surrender aparecem em "Escape Velocity" e "Horse Power". O rock reprocessado do fantástico Dig Your Own Hole está bem nítido nas baterias explosivas e guitarras sujas de "Dissolve" e "K+D+B". Timbres alienígenas e vocais indie/preguiçosos também sempre estiveram presentes no trabalho de Ed Simons e Tom Rowlands, e em Further a faixa "Another World" cumpre esse papel - com vocais da cantora e compositora americana Stephanie Dosen. Aliás, eis uma novidade no trabalho do Chemical Brothers: este é o primeiro disco da dupla que não traz vocalistas convidados, à exceção de Stephanie que colabora em algumas faixas. Os vocais (onde há vocais) estão todos a cargo de Tom Rowlands. A melhor faixa do disco e primeiro single oficial, "Swoon", tem um riff de sintetizador que lembra muito a linha melódica de "Lush 3-1" do Orbital, o que não deixa de ser uma ótima referência. O álbum encerra com "Wonders Of The Deep", aquela mesma viagem lisérgica/progressiva que encerra os discos do Chemical Brothers. Further não é, de maneira nenhuma, um disco ruim. Ele mantém o alto padrão de qualidade das produções da dupla inglesa, mesmo que não apresente nenhum caminho diferente do que estamos acostumados quando ouvimos um álbum dos Brothers. Além do mais, surpreendente mesmo seria esses caras aparecerem com um disco de jazz ou rumba, o que definitivamente não deve acontecer.

Nota: 6
Pra quem gosta de: Prodigy, Fatboy Slim, Underworld, The Crystal Method
Links: site oficial, MySpace, Facebook, Twitter

"Swoon":

domingo, 18 de julho de 2010

Ultrapassando os Limites

Em primeiro lugar: esqueça o rótulo IDM que carimba o trabalho do Autechre. A sigla inglesa para Intelligent Dance Music é uma bobagem, porque coloca no mesmo saco artistas como Aphex Twin, LFO, Ulrich Schnauss, Amon Tobin e u-Ziq, e todos tem muito pouco a ver entre si. O que os torna parecidos é um certo gosto pelo experimentalismo eletrônico, mas isso não significa exatamente Dance Music Inteligente, porque a maior parte do material desse pessoal nem é dançável. A dupla britânica Autechre existe desde 1987 e sua extensa discografia ganhou esse ano mais dois discos: o álbum Oversteps lançado em fevereiro (download) e Março (CD/LP) e o EP Move Of Ten disponibilizado para download em Junho e no formato físico em Julho. Rob Brown e Sean Booth são uma usina de idéias, fato comprovado pela diversidade dos experimentos (e principalmente dos acertos) em Oversteps. Eles não facilitam nada a vida do ouvinte, e mesmo assim é difícil não ficar hipnotizado com a batida desorientadora e os timbres subterrâneos de "r ess", ou com o rolo compressor de distorções em "ilanders". Soando como uma banda de jazz eletrônico que constrói, desenvolve, destrói e reconstrói os temas, as faixas de Oversteps apresentam incursões de música ambiental como na chuva de cristais sintetizados de "see on see", ou na impressionante "known(1)": aqui os timbres sugerem uma espécie de koto robótico que ajudam a criar a atmosfera oriental da música, da mesma forma que "O=0" lembra algo como um xilofone cibernético explorado por mãos cheias de chips e placas de circuito. Já o EP Move Of Ten é imediatamente menos acessível que Oversteps e investe pesado em desconstrução rítmica ("Etchogon-S"), techno encorpado ("M62") e faixas sombrias e opressivas; ora carregadas de ruídos inaudíveis como em "Cep puiqMX", ora trazendo um clima de desolação contemplativa ("nth Dafuseder.b"). Só não estranhe os títulos das canções convertidos em códigos indecifráveis pelo Autechre: a qualidade das composições é tão boa que a música realmente dispensa símbolos de identificação imediata, como letras.

Notas: 8 (Oversteps), 6 (Move Of Ten
Pra quem gosta de: Kraftwerk (fase 70), qualquer coisa do Richard David James, Squarepusher
Links: Warp Records

"known(1)":

sábado, 10 de julho de 2010

O Retorno do Pequeno Príncipe

Mais do que surpreso com a notícia de um novo álbum de Prince, eu fiquei muito curioso. E mais do que curioso, desconfiado. Como soaria Prince Rogers Nelson em 2010 depois de anos de batalhas judiciais contra sua ex-gravadora (Warner Bros.), discos medianos e conversão religiosa (Prince tornou-se Testemunha de Jeová em 2003)? Seria o mesmo cara que lançou o sexualmente explícito Dirty Mind em 1980, ou o mesmo que produziu um dos melhores discos de todos os tempos (Sign O'The Times, 1987)? Bastou uma audição de 20Ten para todas as dúvidas se dissiparem: o álbum é muito bom. Não é à toa que estão dizendo por aí que é o melhor produto desse multi-homem de Mineápolis desde Love Symbol Album de 1992, quando ele se auto-proclamou "o artista anteriormente conhecido como Prince" e adotou um símbolo impronunciável para identificá-lo. Vou falar das duas únicas músicas sem graça desse disco: a abertura "Compassion" e a penúltima faixa chamada "Everybody Loves Me" são as que destoam do resto de 20Ten. Mas aí é claro que o problema não é com um craque como Prince, é comigo. Eu particularmente não gosto da faceta rock de Prince, onde ele exercita sua porção Little Richard. A mim soa como rock de trilha de filme musical vagabundo, tudo muito alegrinho e forçado, recheado de solinhos inúteis. E Prince ainda colocou umas baterias eletrônicas  fuleiras nas duas canções pra eu torcer um pouquinho mais o nariz. Mas tudo bem, por que as outras oito canções são excelentes. Porque quando Prince investe no mela-cueca, sai de baixo. Sai de cima. De ladinho. E aqui nesse disco há três momentos de soul/R&B primorosos: os xá-lá-lá-lás sedutores dos backing vocais em "Future Soul Song", o lindo falsete e a melodia sossegada de "Walk In Sand" e os wah-wahs e o ritmo trôpego de "Sea Of Everything", três viagras musicais de instrumental e vocais impecáveis. E quando Prince decide dar uma amostra de seu enorme talento pra fazer dançar, aproveite. Pra isso, ele faz a guitarra serpentear em riffs sinuosos e coloca um baixo emborrachado na música (apropriadamente chamada) "Sticky Like Glue", ou capricha na levada soul ("Lavaux"), ou ainda dá uma aula de ritmo no funk "Act Of God". "Beginning Endlessly" é um funk torto que de novo mostra a habilidade de Prince nas seis cordas, enquanto "Laydown" encerra o álbum com beats de rap e distribuição farta de slaps de baixo. Curiosamente, 20Ten não está a venda, não da maneira convencional pelo menos. Prince disponibilizou dois milhões e meio de cópias para serem vendidas com exclusividade na edição de 10 de Julho dos tablóides britânicos Daily Mirror e Daily Record, mais os belgas Het Nieuwsblad e De Gentenaar, além da edição alemã da Rolling Stone, que deve trazer encartado o álbum dia 22 de Julho. Além disso, Prince proibiu o Youtube e o iTunes de fazerem uso das canções do novo álbum. É Prince de volta à boa música e do alto de seu 1,60 mt, de novo peitando o establishment.

Nota: 8
Pra quem gosta de: Stevie Wonder, Terence Trent D'Arby, George Clinton, Earth, Wind & Fire
Links: Billboard, Discogs

"Walk In Sand":

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os Diamantes São Eternos

Metade do ano se foi e sem medo de errar, aqui está o melhor disco pop de 2010 até agora: "The Family Jewels", de Marina & The Diamonds. A galesa de ascendência grega Marina Lambrini Diamandis mais um time de produtores que incluem nomes do quilate de Pascal GabrielLiam Howe produziram um disco inteirinho de canções cantaroláveis e divertido do início ao fim. O álbum tem uma sequência inicial matadora com alguns dos refrãos mais ganchudos da temporada: a sensacional música de abertura "Are You Satisfied?" (um bem tramado mix de música de câmara, metal farofa e new wave), "Shampain" e sua batida direcionada aos quadris e o irretocável single "I Am Not A Robot". Tiquinhos de ousadia e esquisitice aparecem vez ou outra, caso das belas cordas de "Girls" e sua melodia que parece extraída de alguma canção do repertório particular de Jack Sparrow e seus comparsas. As firulas vocais da também tecladista e pianista Marina Diamandis estão espalhadas por quase todas as faixas, mas não incomodam de jeito nenhum - embora ela se esforce para fazer com que você pule "Hermit The Frog", a levada contagiante do refrão acaba por compensar os eventuais exageros. Marina, além de admiravelmente bonita e do porte físico formidável, canta muito, muito bem. Ela tem um timbre lindo (lembra a versatilidade de uma Kate Bush) e nas faixas não há resquício de qualquer maquiagem vocal irritante como o onipresente Auto-Tune, por exemplo. Fora que com parcos 24 anos ela ainda mixou, tocou e compôs todas as faixas de "The Family Jewels". Lançado dia 22 de Fevereiro, o disco é ouro na Inglaterra (mais de cem mil cópias vendidas), rendeu três singles e tem mais um agendado ("Oh No!", para 02 de Agosto); é acessível e sem apelar para as fórmulas mais óbvias do pop, se desvencilhou fácil de nomes como Little Boots e La Roux - ou ainda daquelas que chegaram para deixar as coisas exatamente no marasmo que estão, vide a acefalia das Ke$has da vida.

Nota: 8
Pra quem gosta de: Florence + The Machine, The Ting Tings, disco music, Nelly Furtado
Links: site oficial, MySpace, twitter, Facebook

"I Am Not A Robot":