sábado, 10 de outubro de 2015

New New Order


Em 1992, o New Order queria (e precisava) se reinventar, mais uma vez. Da nova ordem proposta após o fim trágico do Joy Division, até então, o grupo já tinha cinco álbuns gravados e havia se consolidado como a banda independente mais importante dos anos 80. Somente no debut Movement (1981), um produtor direcionou o trabalho (o genial Martin Hannett, também responsável pelo pós-punk apocalíptico registrado nos dois álbuns lançados pelo Joy Division). A postura autônoma também em relação ao som e a progressiva aproximação do quarteto com a dance music (que tem no divisor de águas "Blue Monday", de 1983, sua mais clara evidência), definiu o New Order como um grupo que adotava uma postura parecida com a que Andrew Fletcher usou para explicar o modus operandi do seu Depeche Mode, em 1989: "Fazemos música para o quarto, para a sala de estar. Se for tocada nas discotecas, ótimo. Mas nunca chegamos a entender isso." Embora o New Order nunca tenha direcionado seus discos exclusivamente para os quadris dos fãs, cada novo single lançado ganhava fácil as pistas do mundo e a participação esporádica de gente ligada ao electro e hip-hop como John Robie e Arthur Baker foram parte importante do processo. Em Republic (1993), os integrantes - depois de quatro anos afastados e com vários projetos paralelos em andamento - sentem que precisam de alguém para organizar tantas ideias e opiniões diferentes e voltam a trabalhar com um produtor na mesa de som. Tentam com Pascal Gabriel (que havia ganhado prestígio com os primeiros singles de S'Express e Bomb the Bass, na explosão da acid house britânica, alguns anos antes), mas o resultado (segundo o que a tecladista Gillian Gilbert relatou na época), aproxima o New Order do techno hardcore, o que desagrada a banda e a parceria é abortada. O experiente Stephen Hague (OMD, Erasure, Pet Shop Boys) é chamado e seu inconfundível verniz eletrônico borrifado no indie dance do grupo faz de Republic um ótimo álbum dançante, sem perder o costumeiro espírito sombrio que permeia a obra da banda.

Em 2015, a história parece se repetir. Depois de atravessar um longo período com álbuns apenas medianos e poucos singles dignos de nota - mesmo trabalhando com vários produtores diferentes - o cenário agora traz como principal obstáculo a ausência do baixista original (Peter Hook) e o New Order necessita renovação. A adição do substituto Tom Chapman e sua convincente performance no disco novo, esvaziaram minha desconfiança desde o anúncio do lançamento de Music Complete (lançado pela nova gravadora, Mute Records), que dizia respeito ao desfalque de Hook. Só o bassline da linda abertura "Restless" já foi suficiente pra me deixar otimista. No resto do álbum, me rendo ao talento. Mesmo com o fantasma do Capitão Hookie rondando as palhetadas nas quatro cordas de "Nothing But A Fool", o impressionante groove propulsor de "People On The High Line" (uma das duas faixas em que La Roux aparece nos vocais) é todo baseado no baixo de Chapman e seu minuto final, absolutamente sublime (o mesmo acontece na levada italo-disco de "Tutti Frutti"). O baixista mantém a pegada de post-punk dançante na inspiradíssima "Academic" e ainda acompanha com precisão os hi-hats na velocidade da luz de Stephen Morris, em "Singularity".


Outro ponto importante, finalmente, em
Music Complete, é a banda assumir novamente o controle no estúdio. Das 11 faixas, somente duas tem produção do Chemical Brother Tom Rowlands e uma conta com uma polida adicional de Stuart Price. Uma das respostas para o que faz o disco soar tão diverso pode estar nas diversas participações contidas nele. Desde a ficha técnica com gente como Richard X, Steve Dub (engenheiro de som e parte fundamental do sucesso por trás do Chemical Brothers) e Daniel Miller (boss da Mute) incluída, até as colaborações efetivas de La Roux, Iggy Pop e um contido (ainda bem) Brandon Flowers, em "Superheated". A faixa (com Stuart Price regendo o trabalho), coincidentemente, é uma das poucas que não me empolgou em Music Complete. Já Iggy Pop, é um caso a parte. Sua participação em "Stray Dog" celebra um longo ciclo de admiração mútua iniciado em 1977, quando os membros do Joy Division participaram de um show do vocalista do Stooges em Manchester, até a retribuição de Iggy numa aparição do New Order no 24th Tibet House Benefit, no Carnegie Hall, em Nova Iorque, ano passado. Vale dizer também que o álbum The Idiot, de Iggy (1976), foi o último que Ian Curtis ouviu antes de cometer suicídio e na década de 1980, o New Order costumava tocar o clássico "The Passenger", durante as passagens de som. Um dos pontos altos do disco, a música traz Pop narrando um poema escrito por Barney Sumner, sobre uma base reaproveitada a partir de uma faixa instrumental do Other Two (projeto paralelo do baterista Stephen Morris e da tecladista Gillian Gilbert).  



Há de ser comemorada, também, a volta de Gillian Gilbert, depois de um período de dez anos afastada das gravações com o New Order (de 2001 à 2011). Suas intervenções aparecem em
Music Complete ora criando a atmosfera propícia para as luzes frenéticas de uma pista de dança (como no segundo single do disco, "Plastic"), ora entrelaçadas à brilhante participação do conjunto de câmara britânico Manchester Camerata, notadamente na colisão dos efeitos dos sintetizadores com o belo arranjo de cordas em "The Game". "Plastic", aliás, usa como referência os arpejos clássicos de "I Feel Love", de Donna Summer (produzida por Giorgio Moroder e Pete Bellotte) e reverencia mais uma vez a eurodisco, numa história iniciada com "Blue Monday" e suas inconfundíveis socadas de bumbo da programação de bateria, inspirada em "Our Love", também da trinca Summer/Moroder/Bellotte.


O saldo final é altamente positivo. O New Order conseguiu se recriar, mesmo não oferecendo nada de realmente novo. O que vale aqui é a qualidade das composições, o teor pop em potencial e o instrumental inspirado que sustenta as canções. Se parte dos LPs lançados pela banda nos 80 indicavam claramente uma faceta mais roqueira e outra mais dançante (literalmente divididas entre Lado A e Lado B), a saudável mistura que a banda oferece neste disco (post-punk, italo, house, disco, synthpop) garante diversidade sem que isso afete uma das principais características de sua música: o definitivo e pioneiro cruzamento entre rock e dance music. O (agora) quinteto gravou um disco excepcional e todas as menções à Music Complete que o indicam como "o melhor álbum do grupo em décadas", não são exagero.

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