domingo, 25 de setembro de 2016

Dez Perguntas Para: Simbolo


Pioneiro e maior nome da Electronic Body Music brasileira, Martin Neto fundou o Simbolo em 1988, tem cinco álbuns lançados (dois de forma independente e três pelo selo Cri Du Chat), um EP (Music From The Masses, lançado na Alemanha pelo selo Subtronic Records, em 1993) e várias faixas espalhadas em coletâneas, no Brasil e exterior. O projeto segue firme e recentemente disponibilizou sua obra em sites de streaming e venda digital, como Bandcamp, Google Play e Spotify (links no final da matéria). O músico e produtor Martin Neto concedeu gentilmente esta entrevista via email:

1) A arte gráfica da tua obra deixa claro que tens forte influência do construtivismo do russo El Lissitzky. Até que ponto isso reflete na tua música? 
Sou obcecado pela arte da vanguarda russa, fiz a faculdade de Belas Artes de São Paulo e estudei muito não só o trabalho de El Lissitzky, mas também de Rodchenko e Malevich. Eu mesmo crio e finalizo o design gráfico do Simbolo. Na música isso se reflete de forma natural porque faço uma programação midi geométrica, repetitiva, organizada em blocos e meticulosamente quantizada. Depois que a faixa está pronta, faço uma “limpeza”. Corto as partes desnecessárias para chegar na síntese da ideia. O melhor design é o mais simples. El Lissitzky escreveu que “quanto mais simples a forma, mais necessária é a qualidade e precisão da sua execução.”


2)
Já pintou algum convite para algum trabalho em algum projeto mais comercial, voltado ao pop? Já chegaste a pensar em fazer algo do tipo? 

Nunca pensei em fazer algo fora do Simbolo. Uma exceção foi o Depeche Mode Cover em 1991, mas durou pouco porque neste ano eu estava gravando o meu primeiro álbum (Le Sacré Du Printemps) e fiquei sem tempo disponível. Sou inclinado a fazer coisas num contexto mais cultural. Toquei com o VJ Spetto no Centro Cultural Itaú e foi muito bom. Pretendo fazer mais coisas assim.

3) Qual a tua relação com o sampler e quais os teus critérios para o uso do instrumento? Já usaste algum trecho gravado de outro artista em alguma composição?


Nunca usei sampler. Só o EXS24 do Logic Pro X, mas como um sintetizador normal. Entre 2002 e 2004 usei um pedaço da introdução de "Carmina Burana", de Carl Orff, para abrir os shows. E na faixa "Fabrika", do álbum Originate, tem um trecho de um coral russo em reverso. Prefiro ter tudo em MIDI.


4) Em 1998, por ocasião do lançamento da compilação Electroad na qual havia duas faixas do Simbolo inclusas, a revista Bizz definiu que teu som “realmente dispensa letras” (no sentido da excelência do instrumental). Com uma temática que trata, especialmente, sobre violência, qual a importância das letras na tua música e porque a escolha do inglês como meio de expressão? 

Fiquei sabendo disso agora, não conhecia essa coletânea. Quanto à temática das letras vale deixar claro que não faço apologia à violência. Um exemplo é a faixa "Cease Fire", que contêm mensagem pacifista. Mas gosto desse tema porque é atemporal. Letras na minha música têm dupla função. A primeira é a presença vocal. A voz como instrumento. Muitas faixas não precisam deste ingrediente, mas outras precisam, senão ficam incompletas e sem foco. A segunda função é que a letra traz a narrativa de forma a contar uma história. Com frases soltas, dentro do mesmo tema, cria um panorama visual imaginário, como um filme. Quanto a usar letras em inglês, essa pergunta abre espaço para uma explicação maior. Desde o começo eu imaginava o Simbolo como um projeto com características globais. Tanto é que adotei o nome Simbolo (sem o acento no i) porque é como se escreve em Esperanto. Pois bem, em 1988, sem internet, atingir este objetivo era um caminho muitíssimo mais longo, e cantar em inglês seria o primeiro passo. Hoje não. O caminho quase não existe. Mas as músicas atuais têm letras em outros idiomas, além do português.

"That's Possession", do álbum  Le Sacré Du Printemps, lançado em 1992:



5) A EBM sempre teve uma boa relação com as pistas de dança – especialmente no final dos 80 e começo dos 90. Tu já fizeste alguma faixa intencionalmente voltada para a pista? 

Até pouco tempo tudo o que eu fazia era para funcionar ao vivo porque era a via que eu tinha para divulgar o trabalho. Atualmente estou reprogramando tudo, ou a grande maioria, para funcionar também na pista.

"Train Forest", do álbum In The Danger Zone, de 1995.



6) Qual é a formação atual do Simbolo e qual o equipamento tu levas pro palco atualmente? Quantos por cento do material é pré-gravado?


A formação atual sou só eu, porque não vejo mais o Simbolo como uma banda. Também parei de tocar ao vivo, pelo menos por enquanto. Mas no passado usava um sintetizador Roland Alpha Juno 1, o sequenciador de baixo Roland TB-303 e a bateria eletrônica Roland TR-707. Depois fui somando com vários módulos E-mu como o Proteus 1 e o Vintage Keys. E ao longo dos anos entraram muitos outros instrumentos, como a bateria eletrônica Alesis SR-16 e os sintetizadores Korg Prophecy, Alesis Ion, Yamaha DX-7 e Yamaha CS6X, entre vários outros.  Não uso material pré-gravado, mas tudo é pré-programado. Ao vivo só o vocal e alguma melodia adicional no sintetizador. Uma coisa interessante de se fazer eletronicamente ao vivo é interagir com os sons usando modulações de filtro ou pitch bender, por exemplo. A audiência percebe que tem algo realmente acontecendo e que aquilo não é gravado.



7) O mercado de venda de música eletrônica alternativa é mais ou menos interessante hoje com os sites de streaming e downloads pagos em relação à quando tu começaste, quando os CDs ainda eram a única forma de mídia disponível?


Hoje é muito mais interessante, sem dúvida. Não só pelo alcance global dos sites de música mas por outro aspecto muito importante: não tem atravessador. A internet mudou o destino do artista alternativo, que por ser independente, já começava com um pé no fracasso. Hoje não. Pelo menos em termos de oportunidade, todos são iguais perante a tecnologia.

"We Are The Music":



8) Já tiveste na carreira algum hit cult (em pistas ou rádio) que te surpreendeu? Tens ideia do alcance da tua música fora do Brasil? 

Muita coisa me surpreendeu, mas não por causa de um hit específico. Talvez as músicas "K.A.O.S." e "Enforced" tenham causado um impacto maior, mas eu acho que a força do Simbolo está no conjunto da obra, quando o todo é maior do que a soma das partes. E o alcance fora do Brasil é total. Tive até uma oferta para remix de um DJ, na China, só para ficar num exemplo.

"Enforced":



9) Para onde vai a EBM (ou, num contexto mais amplo, a música eletrônica), num cenário pulverizado por milhares de bandas/projetos do gênero? Como é possível soar original e inovador nessa situação? 

A EBM é eterna porque seu formato original é simples e elementar: voz, baixo e bateria. A originalidade e inovação virá da forma como se lida com estes três elementos e adicionar outros. Tendo isso em mente, é só não fazer igual aos outros. Parece fácil mas não é. Quanto ao cenário, que hoje pode ser confuso e desfavorável, a solução é trabalhar com objetivos de longo prazo, porque o cenário muda. Noventa por cento do que existia quando o Simbolo começou – gravadoras, lojas de discos, casas noturnas, fanzines, programas de rádio, etc... –  já não existe mais, mas estou aí fazendo e muito satisfeito com o atual momento.

10) Top 5: cinco músicas eternas e cinco atuais:

Eternas:


1) "Computer Love", Kraftwerk.



2) "Carmina Burana", Carl Orff.



3) "Sonata No.14: Moonlight”, Beethoven.



4) "Chase", Giorgio Morder.



5) "Oxygene Pt.4", Jean-Michel Jarre.



Atuais:

1) "Expo 2000", Kraftwerk.



2) "Opus Dei", Laibach.



3) "Russians", Sting.



4) "Why This, Why That and Why", Jean-Michel Jarre.



5) "I’m A Man", Black Strobe.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Sexta Feira Bagaceira: Real McCoy


Você viveu muito bem até agora sem saber disso: boa parte dos rappers de grupos eurodance alemães eram americanos e ex-militares. Explicação fácil: como os Estados Unidos ainda mantém várias bases em território alemão, foi juntar o talento (ou a força de vontade, em alguns casos) de alguns soldados metidos a rapear nas horas de folga com a crescente cena dance germânica do final dos 80 e deu naquele hip-house festeiro que estava em todos os lugares na primeira metade dos anos 90. Turbo B. (Snap!), Jay Supreme (Culture Beat), B.G. The Prince Of Rap e Captain Hollywood são alguns exemplos desse pessoal que deixou o Tio Sam na mão.



Olaf Jeglitza era uma exceção. O nascimento em Berlim foi apenas um detalhe geográfico, porque desde moleque O-Jay esteve envolvido com a cultura hip-hop em seu país: montou o primeiro fanzine sobre o gênero na Alemanha, integrou grupos de break, produziu programas de rádio e criou um selo (Freshline Records), até tornar-se produtor e vocalista do MC Sar & The Real McCoy, em 1989. Teve dois singles com relativa repercussão local, suficiente para atrair a BMG alemã, encurtar o nome para Real McCoy e lançar "Another Night", em 1993. Hit mundial. A faixa entrou no difícil mercado americano, chegou em terceiro lugar no Hot 100 da Billboard e vendeu impressionantes um milhão de cópias só no território ianque. Com bleeps de sintetizador inspirados em "More and More" (hit do Captain Hollywood Project) e da oitentista "Desire" (de Roni Griffith), "Another Night" traz o vocal soturno de O-Jay contrastando com a voz quente da cantora Karin Kasar em versos que explodem num refrão popíssimo, que não era nada diferente do que Human League ou Duran Duran faziam anos atrás ("In the night, in my dreams, I'm in love with you / 'Cause you talk to me like lovers do / I feel joy, I feel pain, 'cause it's still the same / When the night is gone I'll be alone..."). Os pianos house e o groove seco e preciso do baixo mantinham os pés em movimento. O Real McCoy teve mais alguns singles de sucesso e ainda está na ativa, provavelmente fazendo playback em festas retrô. Who cares? "Another Night" continua foda.

Real McCoy: hit intergaláctico.